sábado

Fantasma

Para onde vais, assim calado,
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado ?

Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa ...

Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta diferença,
que qualquer pergunta dispensa.

Desapareces do lado oposto,
e, então, com súbio desgosto,
vejo que o teu rosto é o meu rosto,

e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,

minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!


         Cecília Meireles

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